• +351 916752315

  • +55 31 998063246 - Brasil

Aquisição da nacionalidade portuguesa pelos descendentes de judeus sefarditas

De forma a permitir uma reparação histórica, Portugal concedeu o direito à nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas

BREVE RELATO HISTÓRICO

A designação de “Judeus Sefarditas” refere-se aos antigos judeus e às comunidades judaicas tradicionais da Península Ibérica (Sefarad ou Hispânia), ou seja, Portugal e Espanha. Esses judeus falavam o idioma sefardi, também chamado de judeu espanhol e tinham uma língua litúrgica, o ladino.

A presença destas comunidades na Península Ibérica é remonta a milénios e, de fato, precede a formação dos reinos ibéricos cristãos, nomeadamente, Portugal e Espanha. Até ao século XV, muitos judeus ocuparam lugares de destaque na vida política e económica portuguesa, vivendo pacificamente com mouros e cristãos. Até hoje existem judiarias daquela época que subsistem como locais históricos.

Ocorre que, depois do Édito de Alhambra de 1492,  decreto real promulgado reis católicos Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão, teve início à perseguição aos judeus levada a cabo pela Inquisição Espanhola e um grande número de judeus espanhóis procuraram refúgio em Portugal e estabeleceram-se entre as comunidades judaicas portuguesas, que lhes acolheram.

Contudo, em 5 de dezembro de 1496, o Rei de Portugal, D. Manuel I, assinou o decreto de expulsão dos hereges, concedendo aos judeus – também acusados de heresia – um prazo, até 31 de outubro de 1497, para abandonarem o reino ou optar pela conversão ao catolicismo.

Essa conversão, inicialmente, foi apresentada como uma mera exigência formal. Bastaria, desta feita, que os judeus se batizassem e passassem a ocultar a sua verdadeira religião. Mesmo assim, muitos foram os judeus que não aceitaram converter-se.

Em 1497, concentraram-se em Lisboa mais de 20 mil judeus, à espera do transporte prometido pelo monarca, transporte este que levaria os judeus para fora do território do reino português. Contudo, os passaportes jamais foram entregues e os judeus que se encontravam em Lisboa não puderam seguir viagem. Desta situação, surgiu o ditado “Ficar a ver navios”, pois os judeus estavam em Lisboa, viam os navios ancorados, mas não podiam embarcar.

Constatando que muitos dos judeus se negavam a se converter, foi ordenada a cristianização e o batismo forçados, que deram origem aos chamados cristãos-novos, também denominados de marranos.

Em 1506, desencadeiam-se em Lisboa vários motins contra cristãos-novos, fatos estes bem documentados e que mataram mais de quatro mil pessoas no massacre de Lisboa, também conhecido como Matança da Páscoa de 1506. Depois do massacre, a coroa atenuou a sua posição em relação aos Cristãos-Novos durante algum tempo, permitindo a emigração, mas esta posição não duraria muito tempo.

Em 1515, o Rei pediu que fosse estabelecida uma Inquisição da Santa Sé em Portugal, para sistematicamente perseguir os Cristãos-Novos que continuassem a praticar atos judaizastes. O pedido foi inicialmente recusado pela Papa, mas a Inquisição acabou por ser instituída por este em 23 de maio de 1536. A inquisição no reino português somente foi extinta oficialmente em 31 de março de 1821.

Monumento no Rossio (Lisboa) em homenagem aos judeus vítimas do fanatismo religioso. Foto por Philipe Cordeiro

É grande o número de descendentes de judeus sefarditas no Brasil pois, muitos destes imigraram para o Brasil colonial no intuito de escapar da forte presença da inquisição em Portugal (o que de fato não ocorreu, pois a Inquisição alcançava todo o reino de Portugal, incluindo sua colônia à época, o Brasil).

Estes judeus que saíram de Portugal e imigraram para o Brasil ainda na fase colonial, na condição de cristãos-novos, foram figuras importantes na história brasileira, estando entre estes os fundadores de cidades como São Paulo (Padre José de Anchieta) e Recife, e entre os bandeirantes, tais quais Raposo Tavares, além de muitos outros.

Assim sendo, de forma a permitir uma reparação histórica, a Assembleia da República de Portugal, após proposta conjunta apresentada pelo Partido Socialista (PS) e pelo Partido do Centro Democrático Social (CDS), proposta esta que contou com amplo apoio dos demais partidos políticos portugueses, realizou alterações no ordenamento jurídico português, que passou a conceder aos descendentes de judeus sefarditas portugueses o direito à nacionalidade portuguesa.

EXPOSIÇÃO SUCINTA DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

A concessão da nacionalidade portuguesa aos descendentes dos judeus sefarditas originários de Portugal é regulada, essencialmente, por dois diplomas:

a) A Lei da Nacionalidade Portuguesa (Lei n.o 37/81, de 3 de outubro), com a alteração introduzida pela Lei nº Lei nº 43/2013, de 3 de julho;
b) O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de dezembro),
cujas alterações marcam a entrada em vigor do disposto na Lei nº 43/2013 e no Decreto-Lei 30-A de 27 de fevereiro de 2015;

O texto do artigo 6ª, nº7, da Lei da Nacionalidade dispõe que :

“O Governo pode conceder a nacionalidade (…) aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.”

Desta feita, podem requerer a concessão da nacionalidade portuguesa aqueles que forem descendentes de judeus sefarditas portuguêses, em qualquer grau da linha reta (descendência direta sem limitação de gerações) ou até ao 6ª grau da linha colateral (considerando o disposto no artigo 1582ª do Código Civil Português que reconhece a descendência colateral em até 6 graus).

Contudo, é necessária a comprovação desta descendência judaico sefardita, sendo esta comprovação um requisito essencial para esta modalidade de aquisição da nacionalidade portuguesa.

Para tanto, o artigo 24-a, nº 3, c, do Regulamento da Nacionalidade, determina que esta comprovação se dê através da emissão de um certificado de descendência judaico sefardita, certificado este que deve ser emitido por uma comunidade judaica com estatuto de pessoa coletiva religiosa radicada em Portugal.

“Art. 24-A: 3 – O requerimento é instruído com os seguintes documentos, sem prejuízo da dispensa da sua apresentação pelo interessado nos termos do artigo 37.º

c) Certificado de comunidade judaica com estatuto de pessoa coletiva religiosa, radicada em Portugal, nos termos da lei, à data de entrada em vigor do presente artigo, que ateste a tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, materializada, designadamente, no apelido do requerente, no idioma familiar, na genealogia e na memória familiar.”

Desta feita, para que o requerente tenha direito à nacionalidade, é necessária a comprovação da descendência sefardita, sendo que esta comprovação que, normalmente, é precedida de estudo genealógico aplicável a cada requerente, se dá através de um processo de certificação de descendência judaico sefardita junto à uma comunidade israelita em Portugal, tal qual a Comunidade Israelita de Lisboa.

Uma vez comprovada essa descendência junto à uma comunidade judaica em Portugal, é emitido um certificado de descendência judaico sefardita, que será utilizado no processo de aquisição da nacionalidade portuguesa propriamente dito, processo este que se dá junto ao Governo de Portugal.

Um exemplo de certificado emitido pela Comunidade Israelita de Lisboa, em processo realizado por Philipe Cordeiro Advocacia

Deve-se ressaltar o fato de que o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa não é concluído com a emissão do certificado de descendência judaico sefardita, sendo esta a primeira fase do procedimento. Uma vez concluída a certificação, o processo de aquisição da nacionalidade é iniciado perante uma das Conservatórias de Registos em Portugal, que são responsáveis pela analise dos pedidos de nacionalidade.

Além dos requisitos acima expostos, é necessário que o requerente ainda cumpra os seguintes requisitos para ser apto à aquisição da nacionalidade portuguesa através deste procedimento:

a) Ser maior de idade (18 anos) ou emancipado face à lei portuguesa;
b) Não tenha sido condenado, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.

POSSÍVEIS ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO

Atualmente, estão em discussão na Assembleia da Republica de Portugal algumas propostas de alteração na Lei da Nacionalidade. Entre as propostas em discussão, existem algumas que influenciam diretamente o direito dos descendentes de judeus sefarditas à nacionalidade portuguesa. Estas propostas ainda estão em discussão e não foram votadas ou aprovadas.

As propostas que impactam o direito em questão prevêem, sucintamente, as seguintes possíveis alterações:

  1. A partir de 1 de janeiro de 2021, além dos requisitos atuais, seria necessário que o requerente da nacionalidade portuguesa descendente de judeus sefarditas tenha residência fixa e legal em Portugal por 2 anos previamente ao pedido da nacionalidade;
  2. A partir de 1 de janeiro de 2021, além dos requisitos atuais, seria necessário que o requerente da nacionalidade portuguesa descendente de judeus sefarditas comprove a existência de vínculo efetivo com Portugal, o que se dá através de residência fixa e legal em Portugal por 3 anos, propriedade de imóveis em Portugal, visitas regulares a Portugal, ou participação em associações culturais e esportivas de portugueses no estrangeiro por 5 anos;
  3. Limitação do direito por mais 10 anos, período após o qual o direito à nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas deixaria de existir.

Como dito acima, as propostas em discussão na Assembleia da Republica não foram votadas ou aprovadas. Contudo, é importante ter conhecimento das mesmas para que aqueles que são descendentes de judeus sefarditas possam aproveitar a atual legislação em vigor, iniciando seus processos o mais rápido possível, de forma que não deixem de usufruir deste direito hoje existente.

Por Philipe Augusto da Silveira Cordeiro, advogado Brasil/Portugal/U.E.